sexta-feira, 22 de maio de 2015

O Menor Restaurante Japonês do Mundo

Pequena história para vocês: um dia eu acordei meio sonâmbulo e confundi o lixo da cozinha com a privada, o que provou que regar restos de comida com mijo não dá em nada.

Agora uma história que importa mesmo.

Eu gosto de me considerar um Indiana Jones da urbe caótica. Gosto de descobrir novos lugares e pôr à prova as ofertas que esses estabelecimentos me fazem. No entanto, em toda a minha vida de especialista em omeletes e desbravador de bairros, nunca tinha encontrado um restaurante tão...triste.

Bem, eu pego um ônibus para voltar pra casa todos os dias da minha sagrada vida. É um trajeto que conheço como a palma da minha mão. Suas ruas, suas paradas, seus passageiros, seus motoristas. E nesses anos todos eu nunca tinha reparado no restaurante citado no título. Porque, sem brincadeira, é o MENOR RESTAURANTE JAPONÊS DO MUNDO.



RM Materiais de Limpeza? É, esse é o nosso restaurante. Agora fica claro porque ele nunca foi percebido antes: ele só nasceu esse ano.

E nasceu dentro do cadáver de uma loja de limpeza. Começamos bem já.

Well, preciso, antes de descrever minha experiência, dizer como era ver esse restaurante todos os dias na minha volta.

Em todos esses meses que presenciei trechos de 10 segundos diários do restaurante, eu devo ter visto, no máximo, e com muito exagero, umas 5 pessoas ALÉM do "sushiman". Isso porque quase todos os dias a única cena que eu via era o senhor sushiman, indumentado de um casaco colorido e uma bandana na cabeça, sentado em uma das DUAS mesas que o restaurante tem, enquanto assistia a TV que fica no balcão. Eu acho que nem jogar lama na cara de um cachorro conseguia ser tão triste e comovente. E engraçado, acima de tudo. Aquele restaurante só podia ser uma piada pronta do destino. Duas mesas de plástico, NENHUM cliente e apenas um senhor CLARAMENTE ocidental vestido como um sushiman, sentado em sua solidão, admirando shows de MPB em sua tv. Um dia eu até vi uma grande muvuca na frente do restaurante, e colei o rosto na janela para admirar e saber porque aquele restaurante solitário estava finalmente cheio. Para minha surpresa, todos estavam, na verdade, em volta do churrasquinho que estava sendo feito na frente da loja. O sushiman continuava lá dentro, sentado.

Decidi, então, que eu precisava visitar esse tesouro nipônico em terras tupiniquins. Chamei minha esposa, que anteriormente já tinha presenciado a visão do restaurante em meio à muitas lágrimas, e pedi seu celular de última geração para poder registrar essa visita. Visita que você acompanha agora.



Logo de cara, descobrimos porque o restaurante talvez não tenha tanto sucesso. Acontece que, à sua frente, está uma das mais antigas e renomadas casas do Norte de toda a Vila Matilde. Sim, é a famosa Carequinha, ponto de encontro de todo mundo que sente saudade do...Norte. E também de todo mundo que quer ir pra lá. Bem, de toda a vizinhança, acredito eu. Não só isso, mas escolhemos um dia muito especial para ir, já que fomos recepcionados por uma bela festa do outro lado da rua, uma com muito forró, música brega, pessoas com roupas curtas e um clima de azaração que não se via desde que o Gigabyte foi reaberto.

Ainda assim, eu e minha petúnia entramos no restaurante e todas as nossas dúvidas foram respondidas: estávamos no JAPA-LIG!!!



Essa foi a nossa reação inicial ao entrar no restaurante e lotar ele. Estávamos bem felizes e esperávamos um mundo de comidinhas japonesas caseiras gostosas. Como será o sushi daqui? Será que eles tem hossomaki? Quem sabe eles tenham até mesmo doces japoneses raros, que emocionante :D


É. Sushis.

:)

Nem tivemos tempo de correr alucinados dali em direção ao Gendai mais próximo e o dono/cozinheiro/garçom/atendente de caixa veio nos saudar e anotar os pedidos. Você pode pensar que fomos atendidos por qualquer um, mas na verdade fomos atendidos pelo...


MARCELO REZENDE!!!

Bem, ou o mais próximo do Marcelo Rezende que um restaurante japonês da Vila Matilde vai me proporcionar.

A figura aí, como ele mesmo se intitula, é o "Japa". Pois é, Hollywood engana. Bem, ele e mais duas pessoas nos recepcionaram. Eu não sabia dizer se eles eram garçons, ajudantes, amigos ou bandidos que tinham acabado de assaltar o restaurante e estavam esperando o ônibus passar para fugirem. Eles simplesmente ficavam na frente da loja, de braços cruzados. 

Assim que chegamos, o Japa já nos cumprimentou, nos levou até a mesa (também conhecido como "deu dois passos pra trás"), nos mostrou o cardápio (também conhecido como "panfleto") e avisou que infelizmente eles não teriam o shimeji na manteiga. Minha expressão não mudou daquela da foto de cima. O sushiman, por sua vez, estava no limiar entre o "bêbado" e o "velho imoral oriental".

Nos próximos minutos, meu olhar se encontrava com o da minha namorada diversas vezes enquanto percebíamos o quão "japonês" era o restaurante. Japa, por sua vez, nos deixou à vontade e foi atender outra mesa. Que ficava exatamente atrás dele. Aí ele lembrou que só estávamos nós ali dentro, então deu meia volta e finalizou os 3 segundos que ele nos deu para pensar no prato.

"Não sei, to em dúvida ainda se eu peço yakissoba ou yakissoba."

Minha namorada, por sua vez, analisava todo o design daquele cardápio estupendo, procurando alguma dica para algum código secreto que ativaria o cardápio de sushis. Infelizmente, não estávamos jogando Guacamelee.

Nisso o querido Japa decidiu nos contar sua história. Seu nome, e isso pode ser um choque para todos, NÃO ERA REALMENTE JAPA. O nome deste descendente de samurais era Armindo....Júnior. Ele morou por 12 anos no Japão e foi lá que ele aprendeu à....fazer algo? Sei lá, transformar garagens minúsculas em desculpas para comida japonesa? Enganar pobres gordos iludidos por uma fantasia de Sushiman? Enfim, ele tinha voltado de lá já faziam 7 anos, e faziam 5 anos que ele cozinhava. O papo estava legal, mas nem só de palavras se alimenta o homem, mas sim de yakissobas feitos com miojo. Por isso ele nos deixou na mesa à vontade e avisou:

"Se precisarem de qualquer coisa, podem chamar por aquela campainha"

Trivia: essa é toda a largura do restaurante

"Ah, mais uma coisa. Aqui está o controle para o DVD. Pode passar para qualquer música que quiser."

Nota do editor: que galo ZIKA.

"DVD?" pensei eu. "Mas que DV..." disse enquanto me virava.

:) 2

"Ah...". Sim, por coincidência, eu tive naquela hora o mesmo pensamento que você agora.

Com o Japa na cozinha, pude então me acalmar e admirar a decoração japonesa do local. Como por exemplos os famosos lacinhos que os japoneses inventaram, logo depois de inventarem os presentes e os embrulhos destes.


A Bruna, essa donzela que me acompanha e me dá a honra de ser seu namorado, percebeu também as caixinhas que ficavam do lado da nossa mesa. Caixinhas essas que, além de decoração, também serviam para levar a comida para viagem.


Acima de nós? Uma luminária muito bem improvisada.


Na mesa? Um saleiro muito sábio.

Tradução: "Você caiu no conto do vigário"

A espera não foi ENORME, mas deu tempo de entender, por exemplo, que aqueles caras na frente da loja são os motoristas que entregam pedidos. SIM!! O Japa-Lig tem delivery.

Também descobri que o Japa tem uma esposa que DE FATO é oriental. Fiquei me perguntando se o nome dela era "Lig", e por segundos aquele restaurante teve o nome mais incrível de todo o tempo.

E no meio de todo aquele tédio e desilusão amorosa, virei para trás para ver quem cantava. Como se fosse um "espelho-espiritual", a TV estava refletindo o que eu acreditei ser o "reflexo da minha alma". O resumo de todo o meu ser.


O Zeca não só me lembrou que a vida leva eu, mas também avisou que o prato estava pronto. E agora, apesar de toda a graça, preciso dizer que eles tem um ótimo atendimento. A própria esposa dele foi quem trouxe, e perguntou se precisávamos de mais algo com um belo sorriso.

Como o bom ninja que sou, como com hashis (´∀`)

E apesar das suspeitas do macarrão do yakissoba ter sido feito com miojo, o prato estava delicioso. Não só ele mas também o frango karague. E por um bom preço.

Comemos e nos enchemos, até ficamos surpresos com o quanto aquela comia nos saciava.

Mais duas pessoas chegaram e pegaram a outra mesa, e aí SIM tivemos uma comemoração. Confete e purpurina caíram do teto e o Japa e sua esposa vieram da cozinha tocando taikos para comemorar a quebra do recorde de clientes que o restaurante teve na mesma hora. Uma faixa azul foi dada aos clientes da mesa do lado e eles ganharam um ano de Japitos. Fiquei com inveja.

Japarcelo, como eu gosto de chamá-lo (a partir de agora), veio à nossa mesa perguntar como estava a comida. ISSO SIM que é um cozinheiro preocupado. E bêbado também, claro. Mas muito mais preocupado. Ele estava claramente feliz como nunca antes por ter clientes novos, e por isso contou a trajetória do Japa-Lig. Acontece que essa pérola do mar nem sempre esteve ali (como o Street View denunciou). Na outra localização dele (guardada à sete chaves junto com a receita do molho do Japitos), o restaurante era maior e o cardápio incluia, veja só, COMIDA JAPONESA. Isso me animou e me motivou à apoiar ainda mais o Japa-Lig, sabendo que seu cardápio à base de cachorro e galinha de terreiro é apenas uma fase enquanto ele não consegue um espaço maior. Por isso fiz meu cartão fidelidade e virei um "Japaligado". (Essa eu acho que vocês vão acreditar de verdade então é melhor avisar: não existe fidelidade "Japaligado". É, o mundo não é tão incrível assim.)

De repente, aquele clima ruim do começo da experiência foi embora. Agora eu dava risadas do jeitinho "japoronga" do Japa (que você mal consegue dizer que ele é brasileiro se ele não falar o nome), suspirava de prazer com cada frango que comia, me sentia orgulhoso de conseguir encontrar o camarão que supostamente vinha compondo o meu yakissoba. Eu QUASE cheguei a acreditar que aquele restaurante não era NADA japonês, mas essa incerteza foi embora quando eu vi um ícone da música nipo-brasileira na tela da TV. 

Xororó (しょろろ, "Shi ~yororo")

Estava tudo muito bom, e eu realmente fiquei arrependido de não ter pedido o Japitos, mas estava ficando tarde e logo os ônibus que passam ali em frente parariam. Por isso me levantei e, antes de pagar a conta, pedi para o glorioso Japa tirar uma foto comigo. Acho que por dentro, Arumindo chorou silenciosamente de alegria. A emoção foi tanta que ele realmente perguntou: "Quer que eu tire foto mano ou foto japa?"



Após pagarmos tudo e o Japa quase nos oferecer sua esposa como agradecimento por termos sido tão atenciosos, nos despedimos e prometemos voltar com mais pessoas. Ele não acreditava, estava quase chorando, agradecia sem cessar. Enquanto eu segurava sua mão, eu disse, olhando firmemente em seus olhos:

"Eu volto Japa. Guarda um Japito pra mim no forno que eu guardo vocês....NO MEU CORAÇÃO!!!"



Bem, fica aqui a minha recomendação do Japa-Lig, restaurante tradicional e de família da Vila Matilde, Zona Leste de São Paulo. Peçam o Yakissoba, se estiverem na dúvida. E falem que vocês foram por recomendação do Adler.

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